Aumento Salarial por Acúmulo de Funções
Existe um mito sobre o acúmulo de funções e pagamento de salário.
A grande maioria dos empregados acha que se for contratada para fazer uma coisa, não pode fazer mais nada, porque se fizer, tem que ganhar a mais. E a grande maioria dos patrões acha que, se paga salário, pode exigir do empregado toda e qualquer função.
O empregado quer sempre ganhar a mais por cada tarefa que acha que não é obrigação sua. O patrão, sempre acha que já paga bem demais para ainda ter que pagar fazer mais ou essa ou mais aquela tarefa.
Mas e ai, quem tem razão nessa história?
A verdade é que ambos podem ter razão, e ambos podem estar errados. Como quase tudo no direito é paradoxal e esbarra no se, ou, no que mais detesto dizer, depende, aqui não é diferente, o direito ao aumento salarial dependerá de uma série de fatores.
Então vamos lá, para ver se isso fica claro para vocês.
Começo dizendo que todas as vezes que houvesse um aumento de funções atribuídas ao empregado, ele deveria ter um aumento de salário correspondente, de forma que se pudesse manter o equilíbrio do contrato, a justa relação entre trabalho e remuneração, e a boa-fé que deve ser guardada entre as partes, além de evitar o enriquecimento ilegal de uma parte, no caso o patrão, que usa a mão de obra do empregado em tarefas para os quais não foi contratado, sem pagar a mais por isso.
Na prática, todavia, não é bem assim que as coisas funcionam.
Em primeiro lugar, se o contrato não prever as funções de forma bem detalhada, a justiça presume que o empregado se comprometeu a todo e qualquer serviço que possa ser executado dentro do horário de trabalho, e que esteja de acordo com sua capacidade de execução, negando, pois o direito a qualquer aumento no salário por esse motivo.
Vejam a seguinte decisão:
ACÚMULO DE FUNÇÃO. BALCONISTA E OUTRAS FUNÇÕES. À falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a respeito, entende-se que o trabalhador se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal, nos termos do artigo 456, parágrafo único, da CLT.
(TRT-4 - ROT: 00205308120175040005, Data de Julgamento: 11/10/2019, 2ª Turma)
Outra situação é sobre o verdadeiro acréscimo de tarefas. Às vezes o empregado é contratado para um cargo, e desde o início executa as funções desse cargo e algumas outras. Se não ficar provado que ele acumulou, no decorrer do contrato, mais funções além das iniciais, ele também não terá direito.
Traduzindo, se o empregado sempre fez as mesmas coisas, então não houve aumento de tarefas, e ele também não terá direito a aumento de salário.
Nas audiências trabalhistas é muito comum o juiz perguntar mais ou menos assim para o empregado:
Escuta, você foi contratado como vendedor, certo?
Sim.
E você disse que fazia outras funções também, correto?
Sim".
E essas outras funções, você fazia dentro do seu horário normal ou teve que começar a fazer horas extras para dar conta de tudo?
Não não, fazia dentro do meu horário mesmo, só precisava correr um pouco mais".
E a partir de quando você passou a fazer essas outras funções também?
Desde que fui contratado, sempre foi assim
Nesse exemplo, totalmente fictício, o empregado não terá direito ao aumento de salário, porque fazia o trabalho dentro de sua própria jornada, e as suas funções eram as mesmas desde o início, de forma que o entendimento que prevalece é de que esse foi o ajuste entre as partes, e que o salário recebido é o suficiente para todas as tarefas executadas.
Na verdade, para ter direito ao acréscimo salarial, o empregado precisa ter um aumento das tarefas que fazia anteriormente, e não só, essas tarefas tem que ser mais complexas ou de maior responsabilidade, ou ainda, incompatíveis com o cargo para o qual foi contratado.
Assim, para o empregado ter sucesso nesse tipo de pedido, é muito importante que ele consiga explicar de forma bem detalhada todas as tarefas que tinha que executar quando começou a trabalhar na empresa, e todas as tarefas que não eram obrigação dele e, no decorrer do tempo, passaram a ser.
Vou dar um exemplo, para ficar mais fácil.
O empregado é caixa. Quando começou a trabalhar, abria o caixa, autenticava as compras dos clientes, dava trocos, fazia sangrias, limpava o caixa, fazia fechamento, emitia relatórios. Depois de 8 meses na empresa, esse empregado ganhou um cartão magnético com autorização para estorno de lançamentos em todos os caixas. Passou a ter acesso também ao cofre geral, inclusive, para trocar dinheiro, além de ser responsabilidade sua organizar o resultado final do dia de todos os caixas, para que os malotes pudessem ser encaminhados pela Empresa de Transporte de Dinheiro para o Banco.
No exemplo acima fica muito claro que as funções do empregado aumentaram no decorrer do contrato, que são mais complexas do que as tarefas iniciais, e que são, de certa forma, incompatíveis com o cargo de caixa, possuindo o empregado nítido direito ao aumento de salário por acúmulo de funções.
Por fim, informo que apesar de se utilizar a expressão acúmulo de funções, o empregado não terá direito aos dois salários completos.
No
caso concreto, será avaliado o efetivo aumento de funções, e quanto, diante
desse aumento de tarefas, o empregado deverá ganhar a mais para que seja
justamente remunerado.