Covid19. Direito de indenização aos profissionais de saúde.

20/04/2020

I - Introdução

Os profissionais da saúde estão na linha de frente do combate ao novo coronavírus. Por mais que recebam aplausos da população, e estejam sendo tratados como heróis e heroínas, na prática, estão trabalhando em condições de risco acentuado de contágio, muitas vezes sem o recebimento de EPIs; em jornadas intensas e extremamente desgastantes; vendo pessoas morrerem; sem poder ter contato com suas famílias; às vezes isolados dentro de suas próprias casas; com medo; apavorados; estressados; etc.

E será que, nessas condições, esses profissionais tem direito a indenização? É o que será visto nos tópicos abaixo.

II - Caracterização da covid-19 como doença ocupacional

Se o empregado contrair uma doença em razão do trabalho, ela será considerada doença ocupacional, e portanto, acidente de trabalho por equiparação.

No caso específico do coronavírus, a Medida Provisória 927, no art. 29, previu expressamente que os casos de contaminação não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Isso quer dizer que, por força de lei, não haverá presunção de que o contágio ocorreu em razão do trabalho, sendo necessária a prova concreta.

Todavia, para os profissionais da saúde, poderá sim haver a presunção de que esse contágio se deu em razão do trabalho.

Nos EUA, a OSHA, sigla que em português significa Administração de Segurança e Saúde Ocupacional, elaborou classificação de graus de risco à exposição, considerando as funções desempenhadas pelos trabalhadores, ficando assim:

Risco Muito Alto de Exposição: aqueles com alto potencial de contato com casos confirmados ou suspeitos de COVID-19 durante procedimentos médicos, laboratoriais ou post-mortem, tais como: médicos, enfermeiras, dentistas, paramédicos, técnicos de enfermagem, profissionais que realizam exames ou coletam amostras e aqueles que realizam autopsias;

Risco alto de exposição: profissionais que entram em contato com casos confirmados ou suspeitos de COVID-19, tais como: fornecedores de insumos de saúde, e profissionais de apoio que entrem nos quartos ou ambientes onde estejam ou estiveram presentes pacientes confirmados ou suspeitos, profissionais que realizam o transporte de pacientes, como ambulâncias, profissionais que trabalham no preparo dos corpos para cremação ou enterro;

Risco mediano de exposição: profissionais que demandam o contato próximo (menos de 2 metros) com pessoas que podem estar infectadas com o novo coronavírus (SARS-coV-2), mas que não são considerados casos suspeitos ou confirmados; que tem contato com viajantes que podem ter retornado de regiões de transmissão da doença (em áreas sem transmissão comunitária); que tem contato com o público em geral (escolas, ambientes de grande concentração de pessoas, grandes lojas de comércio varejista) (em áreas com transmissão comunitária);

Risco baixo de exposição: aqueles que não requerem contato com casos suspeitos, reconhecidos ou que poderiam vir a contrair o vírus, que não tem contato (a menos de 2 metros) com o público; profissionais com contato mínimo com o público em geral e outros trabalhadores.

No Brasil, o Ministério Público do Trabalho - MPT emitiu a Nota Técnica Conjunta nº 02/2020 - PGT/CODEMAT/CONAP, acolhendo a classificação elaborada pela OSHA.

Com base no que foi dito, e considerando a alta exposição ao risco de contágio, é possível presumir que os profissionais de saúde tenham sido contaminados no exercício de suas profissões, invertendo a regra do art. 29 da Medida Provisória 927/2020.

III - Desnecessidade de se comprovar a culpa do empregador (Responsabilidade Civil Objetiva).

No Brasil, a regra geral é a de que, para haver indenização ao empregado, o patrão deve ter agido com culpa. Todavia, o parágrafo único do art. 927 do Código Civil estipula que:

Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifos nossos).

Esse artigo do Código Civil sustenta a chamada Responsabilidade Civil Objetiva. Trocando por miúdos, isso quer dizer que, quando a atividade for de risco, se houver danos para o empregado, ele terá o direito de ser indenizado, mesmo que a culpa por esse dano não seja do patrão.

Nesse sentido, inclusive, decidiu o Supremo Tribunal Federal ao julgar o Recurso Extraordinário nº 828040, fixando a seguinte tese de repercussão geral:

"O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade"

Como se viu no tópico anterior, a classificação da OSHA e a Nota Técnica nº 02 do MPT, afirmam que o risco de contágio dos profissionais da saúde é muito alto, de maneira que a atividade desenvolvida por eles, por sua natureza, apresenta exposição habitual ao risco especial, atraindo, pois, a incidência das regras sobre responsabilidade civil objetiva do empregador.

Assim, o empregador deverá indenizar o empregado por danos morais mesmo que tenha fornecido os EPIs, orientado e treinado seus empregados, seguido as recomendações médicas e trabalhistas, da OMS, do Ministério da Saúde, e das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, etc.

IV - Dos danos morais por contágio da doença

A dignidade da pessoa humana está prevista como princípio constitucional no art. 1º, III, da Constituição Federal. No conceito de dignidade humana se insere também o conceito de dignidade do trabalhador. Para preservar essa dignidade, diversos artigos da Constituição Federal, da CLT, e de outras normas, previram diversos direitos dos empregados, sendo um deles, a saúde física e mental.

Assim, quando um empregado adquire alguma doença por causa do trabalho, isso afeta sua dignidade e, via de conseqüência, provoca dano moral.

Em julgado sobre o assunto, o Tribunal Superior do Trabalho - TST afirmou que a ocorrência do dano moral se constata pela própria existência da doença ou do acidente, os quais, por si sós, agridem o patrimônio moral e emocional da pessoa trabalhadora. (AIRR: 1316-11.2012.5.03.0037, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 01/10/2014, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/10/2014).

V - Danos morais pelo risco de contágio

No caso do coronavírus, está-se falando de uma doença séria e grave, que pode gerar sofrimento intenso nos infectados e até levá-los a morte, de maneira que o perigo de contágio é suficiente para causar dano moral no empregado.

Inclusive, o Tribunal Superior do Trabalho já reconheceu a existência do dano moral exclusivamente pelo risco à integridade física do empregado, mesmo sem ter havido dano concreto, veja:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INCORRETO DESCARTE DO LIXO HOSPITALAR. INOBSERVÂNCIA DE NORMAS DE SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO DEVIDA, PARA COIBIR O RISCO À INTEGRIDADE FÍSICA DO TRABALHADOR. Partindo-se da moldura fática delineada nos autos, é possível constatar que o lixo hospitalar por vezes era descartado no lixo comum e, efetivamente, causou ferimentos em algumas serventes. É certo que a Reclamante não sofreu, concretamente, nenhuma lesão advinda do lixo hospitalar irregularmente descartado no lixo comum, e que a Reclamada fornecia equipamentos de proteção individual. Todavia, os referidos fatos não se mostram, por si sós, como obstáculos ao deferimento da indenização por danos morais. Primeiramente, os equipamentos de proteção individuais fornecidos se mostraram insuficientes para elidir o risco advindo do lixo hospitalar, pois expressamente consignado pelo Regional que outras serventes, que não a Reclamante, sofreram ferimentos com o aludido lixo erroneamente descartado no lixo comum. Segundo, não é crível se imaginar que a empregada tenha de efetivamente sofrer um infortúnio para ter direito à reparação por dano moral. Ora, as regras normativas impõem ao empregador o dever de tomar as precauções necessárias para que seus empregados não venham a sofrer lesões decorrentes das atividades desempenhadas, consoante se infere do art. 157, I, da CLT. Assim, não tendo a Reclamada procedido à fiscalização e controle do correto descarte do lixo hospitalar, típica norma de segurança e medicina do trabalho, deve responder pela sua negligência. Isso porque não pode o Poder Judiciário ser condizente com um empregador que desrespeita normas de ordem pública, colocando em risco a saúde e a própria vida do empregado. Dessarte, o Regional, ao entender indevida a indenização por dano moral decorrente do risco advindo do incorreto descarte do lixo hospitalar, ao argumento de que a Reclamante, além de receber adicional de insalubridade e equipamentos de proteção individual, não sofreu nenhuma lesão concreta, acabou por afrontar a literalidade dos arts. 157, I, da CLT e 186 do Código Civil. Recurso de Revista conhecido em parte e provido.

(TST, RR - 340400-28.2009.5.09.0022, 4ª Turma, Rel. Ministra Maria de Assis Calsing, julgado em 18/04/2012)

VI - Outras situações caracterizadoras de danos morais

Diante da gravidade da pandemia, dos riscos de contágio, do número de trabalhadores infectados, das mortes, etc, claro que os profissionais de saúde estão sentindo medo, preocupação, estresse, crises de ansiedade, pânico, esgotamento. Essa situação ainda se agrava mais com a permissão de alargamento da jornada de trabalho dada pela Medida Provisória 927.

Em reportagem on line publicada em 17/04/2020, o jornal O Popular cita relatos do médico infectologista Dr. Guillermo Lemos, Diretor Geral do HCamp, e do médico intensivista Hélvio Martins Gervásio, que atua no Hospital do Coração Anis Rassi, dando conta de que o choro, o medo e a insegurança, são comuns entre os profissionais, que inclusive, estão entrando em estresse emocional.

É nítido, portanto, o abalo psicológico sofrido pelos empregados da saúde, caracterizadores, sem dúvidas, do dano moral indenizável.

VII - Conclusão

A responsabilidade civil do empregador, para esses casos, é objetiva, devendo o patrão indenizar os empregados na área de saúde, que trabalhem diretamente no combate ao coronavírus, seja por terem se infectado, pelo risco de contágio, ou pelo estresse emocional acima do normal na execução do trabalho, independente de ter agido ou não com culpa.

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