Empregado Doente Pode Ser Demitido?
O Brasil vive uma conflituosa relação entre capital e trabalho. Os empregados querendo ter direitos, e os empresários querendo lucro, afirmando que a legislação trabalhista é dura e extremamente protetiva.
Para compensar essa proteção, a produtividade se tornou ponto central. Os empregadores entenderam que pagar o salário fixo, pelo tempo que o empregado fica no trabalho, não lhes gera o lucro desejado. É preciso mais. É necessário que o empregado se dedique, que a produtividade seja alta.
Como forma de estímulo ao aumento da produtividade, surgiram comissões, participação nos lucros e resultados - PLR, assiduidade, etc. E isso se tornou tão importante no meio empresarial, que o trabalhador que adoece, acaba estigmatizado, porque trabalhador doente não é produtivo, e se não é produtivo, não interessa para o sistema, pois não gera lucro, só despesa.
E é aqui que chamo vocês para a reflexão central desse artigo: o trabalhador doente pode ser demitido?
Antes de mais nada, é preciso explicar que, independente de ser doença do trabalho ou não, se o empregado permanecer doente por mais de 15 dias, deverá ser encaminhado para o INSS. Enquanto estiver afastado, não poderá ser demitido.
Não estando de atestado, presume-se que, mesmo doente, o empregado continua trabalhando.
Pois bem.
O empregador possui um poder, chamado de diretivo, que lhe dá o direito de demitir, quando bem entender, qualquer empregado seu, desde que esse empregado não seja detentor de alguma estabilidade prevista pelo sindicato ou pela lei.
Porém, a empresa tem uma função social a cumprir, e essa função social pode limitar o direito de demissão. Isso ocorre porque o coletivo tem mais importância do que o individual, a sociedade tem mais importância do que a empresa, sendo necessário que o empregador aja com extremo cuidado e boa-fé. Afinal, todos devem contribuir para o bem estar social.
Sem sombra de dúvidas, demitir um trabalhador doente, inapto para o trabalho, ou com sua capacidade reduzida, lhe causa prejuízos, inclusive, dificultando ou o impossibilitando de conseguir um novo emprego.
Nesse caso, ao invés de contribuir para o bem estar social, a empresa está fugindo de sua responsabilidade, retirando do empregado, exatamente no momento que mais precisa, sua fonte de renda e de sustento, sem sequer ter como adquirir os medicamentos necessários para seu tratamento de saúde.
Ao agir dessa forma, a empresa abusa do seu direito de demitir, e esse abuso de direito é um ato ilegal, o qual, inclusive, atinge a honra e a dignidade do trabalhador, causando danos morais que deverão ser indenizados.
Nesse sentido, veja os julgados abaixo:
RECURSO ORDINÁRIO. EMPREGADO DEMITIDO DOENTE. DANO MORAL CONFIGURADO. Constitui-se direito potestativo do empregador a demissão imotivada de seus empregados, já que em nosso ordenamento jurídico, abstraído casos excepcionais de estabilidade, inexiste estabilidade nas relações de emprego. Não obstante a isso, verifica-se com certa frequência a demissão de empregados doentes. Tal atitude é ilícita, pois nesses casos a empresa excede os limites da boa fé norteadora de todos os contratos, nos termos do CC de 2002, em especial, aos contratos de trabalho, caracterizando ofensa os princípios e direitos fundamentais insertos pelos valores sociais do trabalho, pela dignidade da pessoa humana e pela função social da propriedade (artigos 1º, III e IV e 170, III e VIII, da Constituição Federal), que vedam a discriminação de pessoas com limitações de qualquer tipo, inclusive por motivo de doença, física ou mental, bem assim o abuso de direito. Recurso patronal a que se nega provimento. (Processo: ROT - 0001753-25.2016.5.06.0006, Redator: Paulo Alcantara, Data de julgamento: 16/06/2020, Segunda Turma, Data da assinatura: 18/06/2020)
(TRT-6 - RO: 00017532520165060006, Data de Julgamento: 16/06/2020, Segunda Turma)
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EMENTA RECURSO ORDINÁRIO OBREIRO. DEMISSÃO DE EMPREGADO DOENTE. DISPENSA ABUSIVA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. RESTANDO EVIDENCIADO DOS AUTOS QUE O TRABALHADOR AINDA SE ENCONTRAVA ENFERMO QUANDO FOI DEMITIDO, TANTO ASSIM QUE SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO (AUXÍLIO-DOENÇA) FOI PRORROGADO PELO INSS, É INEGÁVEL QUE A DISPENSA SE CARACTERIZOU COMO CONDUTA ILÍCITA PRATICADA PELO EMPREGADOR, A ENSEJAR SUA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO OBREIRO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TRT-19 - RO: 00007108720165190007 0000710-87.2016.5.19.0007, Relator: João Leite, Data de Publicação: 28/06/2018)
Necessário esclarecer ainda que a Lei 9.029/95 proíbe a dispensa discriminatória. E a Súmula 243 do Tribunal Superior do Trabalho, presume como discriminatória a demissão de empregado portador de doença grave que provoque estigma ou preconceito.
Com base nessa lei e nessa súmula, se ficar provado que o empregado foi demitido somente porque estava doente, além de ilegal, a demissão será considerada discriminatória, e o empregado poderá buscar a justiça para pedir a reintegração no emprego, com o pagamento de todos os salários que não recebeu, ou, se não quiser seu trabalho de volta, poderá receber os salários em dobro de quando foi demitido até a decisão final no processo, além da já mencionada indenização por danos morais.
Por fim, destaco que não é qualquer doença que tem aptidão para impedir a demissão. Há aquelas que necessitam de tratamento, mas que não provocam alteração na capacidade de trabalho do empregado, e nem o impedem de conseguir novo emprego.
Proibir o empregador de demitir o empregado nessas circunstâncias, não seria razoável, e nem encontraria respaldo na função social, eis que ausente qualquer elemento a justificar tal medida.
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