Suicídio Pode Ser Considerado Acidente de Trabalho?

04/05/2021

AS pessoas que trabalham, normalmente passam um tempo muito considerável de suas vidas exercendo seu ofício. Um empregado submetido à jornada padrão de 8 horas, por exemplo, tem mais de 1/3 do seu dia ocupado com o trabalho. Dessa forma, muitas de suas necessidades, inclusive afetivas, são satisfeitas no trabalho.

Muita acertada, portanto, a previsão constitucional de que o empregador deve adotar todos os meios ao seu alcance para proporcionar um ambiente de trabalho saudável, diminuindo, dentro do possível, os riscos de acidente de trabalho típico ou de adoecimento dos empregados.

Todavia, ainda se vê muitas ações patronais contrárias a esse mandamento constitucional. Assédio moral, assédio sexual, ócio forçado, retenção de documentos, proibição de uso de banheiros, condições indignas de trabalho, ambientes absolutamente insalubres, enfim, ainda presenciamos diversas modalidades de afronta a dignidade do trabalhador.

Essas afrontas, dependendo da necessidade que o trabalhador tem do emprego, do nível de instrução, da humildade, da intensidade, do tempo que duram, etc, podem provocar distúrbios emocionais no empregado, que se agravam para quadros mais sérios como síndrome de burnout, depressão severa, estresse, síndrome do pânico, dentre outras.

Muitas vezes, o trabalhador sequer possui um plano de saúde ou dinheiro para fazer um acompanhamento psicológico adequado, e o quadro vai só se intensificando. Os choros, a anorexia, sentimento de inferioridade, de incapacidade, e o isolamento social também se intensificam.

Chega a um ponto que o empregado não consegue mais trabalhar. É afastado pelo INSS, fica meses, um ano, às vezes até mais, recebendo o benefício por incapacidade temporário, antigo auxílio-doença.

Quando recebe alta previdenciária e retorna, tudo de novo, só que agora ainda mais forte, porque querem que ele se demita.

Não suportando mais, iniciam-se os pensamentos de autodestruição e, logicamente, de suicídio. Até que, diante da ausência de um tratamento adequado, e não suportando a dor, o sofrimento, sentimento de inferioridade, o suicídio efetivamente acontece.

Nessas condições, será possível afirmar que o suicídio se caracteriza como acidente de trabalho, e que a empresa deverá indenizar a família do empregado falecido?

Pois bem.

O conceito de acidente de trabalho é estabelecido pelo art. 19 da Lei 8.213/91, nos seguintes termos:

Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho

Diante do conceito legal apresentado, é preciso analisar se a situação narrada pode ser enquadrada como um acidente, e como um acidente que ocorreu pelo exercício do trabalho.

No caso, a palavra acidente tem ligação com acontecimento casual, fortuito, inesperado. O suicídio é um evento planejado, programado, o que já retira a característica de evento inesperado, não podendo, ao meu ver, ser enquadrado no conceito de acidente.

De igual modo, apesar de ter acontecido por atos relacionados ao trabalho, não aconteceu pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, estando afastado, assim, do conceito legal de acidente de trabalho, estabelecido pela Lei 8.213/91, já citada.

Vejam, a respeito, os ensinamentos do professor Sebastião Geraldo de Oliveira, uma das maiores autoridades sobre acidentes de trabalho no Brasil, em sua obra Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional (6ª ed, pg. 47):

O fato gerador do acidente típico geralmente mostra-se como evento súbito, inesperado, externo ao trabalhador e fortuito no sentido de que não foi provocado pela vítima (grifos nossos)

Como o suicídio foi provocado pela própria vítima, ainda que motivado por atos do patrão ou de seus prepostos, não pode ser considerado um evento súbito e externo ao trabalhador.

É de se concluir, pois, que o suicídio, ainda que tenha sido motivado por atos ilegais praticados pelo empregador, não pode ser caracterizado como acidente de trabalho.

Isso, todavia, não quer dizer que os herdeiros do empregado não poderão pedir indenização na justiça.

Por lei, todo aquele que agir de forma ilegal e causar danos em alguém, deve indenizar tais danos (art. 186 e 927 do Código Civil).

Sem sombra de dúvidas, a conduta praticada pelo empregador, narrada no início desse artigo, é ilegal, e, em razão dessa conduta, o empregado sacrificou sua própria vida, deixando para trás a família, que terá que suportar sua ausência definitivamente, com todas as consequências psicológicas e financeiras que isso gera.

Por sua vez, o dano moral no caso de morte é in re ipsa, ou seja, não precisa ficar comprovado, pois é presumível a dor e o sofrimento intensos causados pela perda de um ente querido.

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