Trabalho 4.0 e a Ausência de Direitos dos Trabalhadores

28/10/2020

Diz-se que o mundo passou por quatro revoluções industriais. A primeira mobilizou a mecanização da produção usando água e energia a vapor. A segunda introduziu a produção em massa com a ajuda da energia elétrica. A terceira foi a revolução digital e o uso de aparelhos e dispositivos eletrônicos, bem como a Tecnologia da Informação para automatizar ainda mais a produção. Agora, vive-se a quarta Revolução Industrial, ou, como é chamada por alguns, Indústria ou Trabalho 4.0, que engloba algumas tecnologias para automação e troca de dados, e utiliza conceitos de Sistemas Ciber Físicos, Internet das Coisas, Big Data, Computação em Nuvem, Inteligência Artificial, dentre outros.

Com esses avanços, a necessidade de se ter um empregado trabalhando 8 horas por dia, 44 horas por semana, diminui drasticamente. Avança-se a ideia, então, de o trabalhador receber não mais pelo tempo que dedica à empresa, mas pelo que efetivamente produz.

Ao invés de ter um motoqueiro de carteira assinada, a empresa faz suas entregas pelo Ifood, sendo o trabalhador remunerado por entrega. Ao invés de ser ter um projetista empregado, contrata-se um pelo Workana, sem sequer conhecer seu rosto, apenas a qualidade de seu trabalho, pagando-se por projeto. E por ai vai, plataformas adentro, como Uber, Rappi, etc.

Não é de hoje que se fala na substituição do trabalho humano pelo das máquinas. Mas até então, os postos de trabalho que restavam, ainda o eram na condição de empregado.

Agora, o trabalho 4.0 parece substituir o empregado por máquinas e, ao mesmo tempo, atrelar o trabalhador a essas máquinas, mas dessa vez, sem ser empregado. Enfim, os novos formatos sociais suprimem direitos dos trabalhadores, empurrando-os cada vez mais para a autonomia e informalidade empreendedora, precarizando o trabalho no que se convencionou chamar de uberização, ou seja, o trabalhador é contratado por plataforma, sem reconhecimento de vínculo de emprego, sem salário, sem garantias, sem direitos.

Sequer sabe a quem se dirigir se precisar de alguma orientação, informação, ou tiver que reclamar algum valor não recebido ou algum desconto que julgar indevido, pois tudo é feito de maneira virtual.

Certo é que as regras da CLT já não atendem as novas relações de trabalho. Por exemplo, os motoristas da uber não tem conseguido reconhecimento de vínculo de emprego por ausência de subordinação, já que dirigem o tanto que querem, nos dias que querem, e nos horários que querem, havendo ai, uma "autonomia" em relação à plataforma.

Da forma como é hoje, é tudo ou nada. Ou o trabalhador é empregado, ou não tem direito algum, sendo imperiosa a busca por legislações que tragam um equilíbrio, preservando os direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores e também dos contratantes.

No exemplo da Uber, não seria o caso de se criar uma lei com regras mínimas, inclusive sobre o tempo máximo em que o motorista poderia dirigir, a exemplo da Lei do Motorista Profissional Empregado? Uma obrigatoriedade da plataforma de fazer um seguro contra acidentes? Não seria o caso de se estabelecer legalmente direitos mínimos que pudessem assegurar a dignidade do trabalhador? Não seria o caso de a plataforma pagar uma indenização pelo desgaste e depreciação dos veículos cadastrados?

Na verdade, tenta-se incutir na cabeça do trabalhador que ele é empreendedor, que seu sacrifício é proporcional aos seus resultados, que quanto mais trabalha, mais ganha.

Todavia, ao contrário do que se sustenta, esses trabalhadores não são empreendedores. Por falta de empregos formais, e de opções melhores, salvo raras exceções, eles admitem a ausência de direitos para que não haja ausência de alimentos em casa.

Fechar os olhos para essa realidade é covardia do Estado, que ignora seu dever constitucional de proporcionar o Bem Estar Social, e de garantir a proteção ao hipossuficiente, nesse conceito incluído o trabalhador.

Como se vê, é preciso realmente criar condições para que empresas possam operar com segurança jurídica, e menos expostas a uma super proteção do trabalhador, mas também é preciso proteger o trabalhador contra o abuso do poder econômico, afinal, é ele a parte hipossuficiente nessa relação jurídica e que deve ser, sem sombra de dúvidas, o maior destinatário da proteção legal.

Em 2017, o Brasil implementou uma profunda Reforma Trabalhista. Todavia, essa reforma só alcançou as relações entre patrões e empregados, deixando de fora, por exemplo, esses trabalhadores que não se encaixam no conceito de empregados e, via de consequência, não são destinatários das normas da CLT.

Além disso, a Reforma mandou muito mal. Sob a infinita alegação de que é preciso retirar direitos para gerar empregos, teve a nítida intenção de diminuir o número de ações de trabalhistas, e conseguiu.

Inclusive, instituiu a possibilidade de cobrança de honorários de sucumbência dos trabalhadores que perdessem suas ações. E pior do que isso, a possibilidade de cobrar esses honorários mesmo dos trabalhadores que tivessem direito ao benefício da justiça gratuita.

Ainda bem que o Tribunal Superior do Trabalho começa a corrigir essa barbaridade. Recentemente, decidiu que só poderão ser descontados honorários do trabalhador que tiver recebido créditos no processo, se esses créditos forem suficientes para promover indiscutível e substancial alteração na condição socioeconômica dele (AIRR-568-32.2018.5.13.0023, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 23/10/2020).

A decisão do TST merece aplausos, pois resguarda um mínimo de dignidade ao trabalhador, que parece estar retomando a possibilidade de demandar na justiça sem o risco de, além de ser lesado pelo empregador, sair do processo pior do que entrou, caso não consiga provar os fatos que sustentam seu direito.

Ao invés de excluir direitos, o Governo poderia ter incluído na Reforma Trabalhista direitos para os trabalhadores não empregados, como os trabalhadores de plataformas, imersos que estão no trabalho 4.0.

Agora, com a crise da Covid19, essa necessidade se torna ainda mais urgente. Várias empresas encerraram suas atividades, e milhares de pessoas perderam seus empregos formais, o que as forçará a obter renda de alguma forma, provavelmente, aderindo a essas plataformas de prestação de serviços.

Desenha-se, portanto, um cenário de absoluta insegurança. Um País carregado de trabalhadores informais, subvalorizados, sem seguro de acidentes, sem condições de prover o próprio sustento se tiverem alguma incapacidade temporária ou definitiva, e sem contribuição para a previdência, pública ou privada.

A longo prazo, a sociedade envelhece, perde sua capacidade laborativa, e fica sem qualquer renda, seja remuneratória pelo trabalho prestado, seja previdenciária, por absoluta falta de contribuição e planejamento.

No quesito planejamento previdenciário, inclusive, o Brasil ainda está muito atrasado. Os empregados tem contribuição obrigatória para o INSS, possuindo o direito a aposentadoria. Mas os não empregados não, seja por não pensarem nisso, seja por não terem rendimentos suficientes para contribuir para uma previdência privada.

Conclui-se, portanto, que a legislação brasileira precisa acompanhar as alterações sociais, alcançando as novas modalidades de trabalho, pois a falta de regulamentação representa uma inércia inconstitucional do Estado, deixando absolutamente desamparados os trabalhadores que não se enquadram no conceito de empregados.


Se você gostou do artigo, e quer receber mais conteúdos como esse, te convido para participar do nosso grupo exclusivo no Whatsapp, nele você recebe informações específicas sobre direito dos trabalhadores, interage com outros participantes, e pode tirar suas dúvidas, além de ficar sabendo primeiro dos artigos publicados aqui no blog. Te espero lá.

Siga-nos também no Instagram.

Até a próxima!

Seja o primeiro a ler. Cadastre seu email

* indicates required