Coronavírus. Cabe Indenização ao Empregado por Risco de Contágio?

29/03/2020

A disciplina básica do dano moral está prevista nos artigos 186 e 927 do Código Civil. Com base nesses artigos, para que um empregado tenha o direito de ser indenizado, é preciso que (i) a empresa tenha praticado um ato ilícito, agindo com culpa; (ii) que o empregado tenha sofrido dano moral; (iii) que esse dano seja decorrente do ato ilícito praticado pelo empregador, ou seja, que haja nexo causal com o trabalho.

Em relação a culpa, como já dito em outros artigos aqui no blog, e também no instagram. o empregador tem o dever de proporcionar um meio ambiente de trabalho saudável, protegendo a saúde do empregado, como diz expressamente o art. 7º, XXII, e o art. 225, ambos da Constituição Federal, e também o art. 157, I, da CLT.

Se não o faz, age com culpa por negligência, e comete ato ilícito. Inclusive, o Código Penal, no art. 132, fala que é crime expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente.

Age com o culpa, por exemplo, o empregador proibido de funcionar por causa da pandemia, que desrespeita essa proibição e exige que seus empregados trabalhem normalmente; age com culpa o empregador que, tendo seu funcionamento liberado, não adota medidas para evitar o contágio de seus empregados; age com culpa o empregador que não fornece EPIs, e nem segue as recomendações oficiais de prevenção e combate; age com culpa o empregador que não orienta seus empregados sobre as medidas de prevenção, etc.

Quanto ao dano moral, o mesmo é caracterizado quando o ato ilícito agride a dignidade do trabalhador, atingindo sua honra e/ou sua moral, a ponto de lhe causar sofrimento intenso, que ultrapasse a esfera da normalidade ou dos meros dissabores do dia-a-dia.

No caso do coronavírus, está-se falando de uma doença séria e grave, que pode gerar sofrimento intenso nos infectados e até levá-los a óbito, de maneira que o perigo de contágio por negligência do empregador é suficiente para causar dano moral no empregado.

O Tribunal Superior do Trabalho já reconheceu a existência do dano moral exclusivamente pelo risco à integridade física do empregado, mesmo sem ter havido dano concreto, veja:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INCORRETO DESCARTE DO LIXO HOSPITALAR. INOBSERVÂNCIA DE NORMAS DE SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO DEVIDA, PARA COIBIR O RISCO À INTEGRIDADE FÍSICA DO TRABALHADOR. Partindo-se da moldura fática delineada nos autos, é possível constatar que o lixo hospitalar por vezes era descartado no lixo comum e, efetivamente, causou ferimentos em algumas serventes. É certo que a Reclamante não sofreu, concretamente, nenhuma lesão advinda do lixo hospitalar irregularmente descartado no lixo comum, e que a Reclamada fornecia equipamentos de proteção individual. Todavia, os referidos fatos não se mostram, por si sós, como obstáculos ao deferimento da indenização por danos morais. Primeiramente, os equipamentos de proteção individuais fornecidos se mostraram insuficientes para elidir o risco advindo do lixo hospitalar, pois expressamente consignado pelo Regional que outras serventes, que não a Reclamante, sofreram ferimentos com o aludido lixo erroneamente descartado no lixo comum. Segundo, não é crível se imaginar que a empregada tenha de efetivamente sofrer um infortúnio para ter direito à reparação por dano moral. Ora, as regras normativas impõem ao empregador o dever de tomar as precauções necessárias para que seus empregados não venham a sofrer lesões decorrentes das atividades desempenhadas, consoante se infere do art. 157, I, da CLT. Assim, não tendo a Reclamada procedido à fiscalização e controle do correto descarte do lixo hospitalar, típica norma de segurança e medicina do trabalho, deve responder pela sua negligência. Isso porque não pode o Poder Judiciário ser condizente com um empregador que desrespeita normas de ordem pública, colocando em risco a saúde e a própria vida do empregado. Dessarte, o Regional, ao entender indevida a indenização por dano moral decorrente do risco advindo do incorreto descarte do lixo hospitalar, ao argumento de que a Reclamante, além de receber adicional de insalubridade e equipamentos de proteção individual, não sofreu nenhuma lesão concreta, acabou por afrontar a literalidade dos arts. 157, I, da CLT e 186 do Código Civil. Recurso de Revista conhecido em parte e provido.

(TST, RR - 340400-28.2009.5.09.0022, 4ª Turma, Rel. Ministra Maria de Assis Calsing, julgado em 18/04/2012)

Certo, portanto, que o perigo de contágio é suficiente para provocar dano moral no empregado, desde que o empregador tenha agido com culpa.

Importante dizer ainda que o risco deve ser real, e não é qualquer situação de negligência do empregador que caracterizará risco sério de contágio, afastando, nessas hipóteses, o dano moral em questão.

Por fim, avalia-se o nexo de causalidade.

A transmissão do vírus foi considerada de forma comunitária, havendo risco de contágio do trabalhador em qualquer outro local que não necessariamente no trabalho. Nessa situação, porém, o empregado não é obrigado a se expor ao risco. Se se expuser, o fará por sua conta e risco. No caso do emprego ele é obrigado a ir, sob pena de ser demitido, o que caracteriza o nexo causal entre o dano pelo risco de contágio e a culpa do empregador que negligenciou suas obrigações legais na proteção do trabalhador.

Como se vê, a situação pode atrair a responsabilidade civil do empregador e ele ter que pagar indenização por danos morais aos empregados, ainda que estes não tenham sido infectados.

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