Rescisão indireta. Saiba o que é e como funciona.

08/06/2020

I - Introdução

Quando um empregado é contratado, há uma alegria imensa. Uma nova oportunidade que surge, novas perspectivas. Por um tempo, as coisas vão indo bem, ele está motivado, está empenhado, dando o sangue. Só que começam a acontecer coisas que não o agradam. Seu salário começa a atrasar constantemente; ele descobre que o patrão não está mais depositando seu FGTS; que tem direito a horas extras, mas essas nunca foram pagas, etc. Ai ele começa a cobrar o patrão, o patrão fica bravo e o destrata, humilha, ignora, as vezes até o deixa sem ter o que fazer na empresa como castigo por estar exigindo um direito. O empregado passa a ser um ingrato, pé no saco, reclamão, traíra, etc.

Pronto, se instaurou um cenário que torna impossível para o empregado continuar no emprego. Chega sábado à noite e ele já tem calafrios de pensar que segunda-feira está chegando e ele tem que ir trabalhar novamente.

Percebendo isso, o patrão piora seu comportamento, e passa a ter a nítida intenção de forçar o pedido de demissão.

Mas e aí, o empregado deve realmente pedir demissão? O patrão pode agir dessa forma? O que o empregado pode fazer nesses casos?

É sobre isso que irei falar nesse artigo.

II - O que é rescisão indireta

A relação existente entre empregado e empregador gera obrigações para ambos. Se o empregado descumprir suas obrigações, ele poderá cometer uma das faltas graves previstas no art. 482 da CLT e ser demitido por justa causa. De igual modo, se o empregador descumprir suas obrigações, ele também poderá cometer uma das faltas graves previstas no art. 483 da CLT e ser "demitido por justa causa" pelo empregado.

Essa possibilidade de o empregado "demitir" o patrão é o que se chama de rescisão indireta. Na prática, quando o empregador comete uma falta grave, o empregado pode considerar o contrato terminado e entrar na justiça para receber seu acerto como se tivesse sido demitido sem justa causa, ou seja, ele receberá tudo o que tem direito.

III - E o que se considera falta grave?

De acordo com o art. 483 da CLT, é falta grave do empregador:

  • Exigir serviços superiores às forças do empregado; serviços proibidos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato.
  • Tratar o empregado com rigor excessivo
  • Expor o empregado a perigo de mal considerável
  • Não cumprir as obrigações do contrato
  • Praticar contra o empregado, ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama.
  • Ofender o empregado fisicamente, salvo no caso de legítima defesa.
  • Reduzir o trabalho do empregado, para diminuir seu salário, de forma contrária a lei.

IV - Vamos falar um pouquinho sobre cada uma das faltas mencionadas na lei.

· Art. 483, letra a.

O patrão obriga o empregado a carregar mais peso do que a lei permite, ou o empregado tem um problema de saúde na coluna, nas pernas, ou nos braços, por exemplo, e não pode pegar peso, e o patrão exige que ele carregue peso mesmo sem poder, prejudicando sua saúde. Pode ocorrer também de o patrão dar uma tarefa que o empregado não consiga realizar, porque está além da sua capacidade. Ou ainda, o patrão pode exigir que o empregado faça algum serviço proibido por lei, como falsificar notas fiscais. Depois de um tempo, o empregador pode começar a exigir que o empregado faça serviços alheios ao contrato, como resolver coisas particulares do patrão e seus familiares, lavar seu carro particular, ir ao banco, marcar dentista, fazer reserva de cinema, etc, serviços para os quais não foi contratado e que não possuem qualquer relação com o emprego.

· Art. 483, letra b.

Rigor excessivo é aquele acima do normal. O empregador tem o direito de coordenar o trabalho, de exigir metas e resultados, etc, mas isso tem que ser feito de forma coerente, objetiva, respeitosa. Se ele exigir além do normal, de maneira muito intensa, contra apenas um empregado, sendo que há vários na mesma situação, gritar, atribuir tarefas e metas impossíveis de serem cumpridas, é rigor excessivo e autoriza a rescisão indireta. O Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, no processo 593-82.2012.5.03.0007, reconheceu a rescisão indireta de uma empregada que trabalhava a pé, em visitas externas, e que, após engravidar, foi obrigada a manter o mesmo ritmo de trabalho mesmo grávida, de forma tão desgastante que colocava ela e a gravidez em risco, o que foi considerado rigor excessivo.

· Art. 483, letra c

Quando o trabalhador corre perigo manifesto de mal considerável, ele tem direito a rescisão indireta. Corre esse risco o empregado que trabalha em ambiente insalubre ou perigoso, sem que o empregador adote os cuidados mínimos com sua saúde, como por exemplo, lhe fornecer EPIs, em quantidade e qualidade suficientes. Nesse caso, se enquadram também aqueles empregados de hospitais, que trabalham em desacordo com as normas técnicas e recomendações dos órgãos oficiais de saúde, se sujeitando a risco de contágio da covid19 acima do normal. Mesmo que os empregados que não trabalham em hospitais, se estiverem sujeitos ao risco de contágio acima do normal, por culpa do empregador, se incluem nessa possibilidade.

· Art. 483, letra d.

Como obrigações do contrato se encontram pagamento de salários, recolhimento do FGTS, concessão de férias, pagamento de horas extras, etc. Mas o exemplo mais clássico, e mais objetivo, é o não recolhimento, ou recolhimento irregular do FGTS. Para saber se está sendo recolhido, pode baixar o app 'FGTS' da Caixa, ou solicitar o Extrato Analítico do FGTS em qualquer agência. Quero fazer uma observação aqui. É obrigação do empregador fornecer trabalho para o empregado. Obrigá-lo a comparecer no emprego, mas proibi-lo de trabalhar, o que é chamado de ócio de forçado, também dá direito a rescisão indireta. Escrevi um artigo falando só sobre o ócio forçado. Clique aqui para lê-lo agora.

· Art. 483, letra e.

Por ato lesivo à honra ou boa fama, pode-se entender, por exemplo, as acusações sabidamente indevidas de crime, assédio moral, assédio sexual, etc.

· Art. 483, letra f.

A integridade física é um direito de todos, inclusive do empregado. Se o patrão agredir seu funcionário fisicamente, estará caracterizada falta grave, o que gerará o direito a rescisão indireta. Aqui o empregado deve tomar cuidado: naqueles casos em que é possível evitar ou impedir a ofensa física, sem ser preciso reagir a ela, se o empregado reagir, a reação poderá ser considerada indevida, e caracterizar a culpa recíproca, recebendo pela metade os valores da rescisão.

· Art. 483, letra g.

Quando o patrão reduz o trabalho do empregado, de maneira prejudicar a produção dele e, com isso, reduzir o salário, gera para ele o direito de rescisão indireta do contrato. Cito como exemplo a escola que reduz o número de aulas do professor. Exemplifico também a empresa que cria embaraços para o vendedor ganhar menos comissões. Nesse segundo exemplo, inclusive, o Tribunal Superior do Trabalho, no Recurso 2941-46.2012.5.02.0025, confirmou a rescisão indireta de uma gestante que recebia só por comissões e foi transferida para uma loja com menor movimento, reduzindo consideravelmente sua remuneração mensal.

V - O empregado precisa sair do emprego para pedir a rescisão indireta?

Diz a lei que nos casos de descumprimento contratual, ou de redução de trabalho, o empregado pode escolher entre permanecer no trabalho ou não até a decisão do processo. Nos demais casos, o afastamento seria obrigatório.

Todavia, a justiça do trabalho tem adotado o entendimento de que, em qualquer hipótese de rescisão indireta, o empregado pode escolher entre continuar trabalhando ou não.

VI - Conclusão

Feitas todas essas explicações, conclui-se que o patrão não pode agir de maneira contrária à lei e ao contrato de trabalho, sob pena de cometer falta grave que autoriza a rescisão indireta. Nesses casos, o empregado deve buscar orientação jurídica com um profissional de sua confiança e, ao invés de pedir demissão, considerar o contrato o terminado por culpa do empregador. 


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